Gostaria muito que vivêssemos num mundo onde não fosse mais necessário debater o racismo e que nossos filhos ficassem sabendo dessa tragédia humana, apenas pelos livros de história. No entanto, após mais de um século de “abolição da escravidão” assistimos com assombro, no Brasil e no mundo, os mais diversos eventos mostrando que essa ferida permanece sangrando, e que às vezes vem a público e causa forte comoção, como é o caso das mortes do norte americano George Floyd e do adolescente brasileiro João Pedro, ambos assassinados devido a ações violentas de policiais.
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Tanto lá nos Estados Unidos, como qui no Brasil, o órgão de Estado que detêm o uso legítimo da força, parece usá-la de forma desmedida por alguns de seus agentes, em algumas ocasiões, quando se trata de pessoas negras. Independente do modo como ocorrem, esses acontecimentos não são esporádicos.
Atos de racismo são frequentes em estádios de futebol, em declarações feitas por autoridades e até mesmo em aparições de grupos supremacistas raciais. E ao contrário do que se possa imaginar, os eventos mais graves não são apenas os veiculados na grande imprensa, mais principalmente aqueles que ocorrem no dia a dia de milhões de anônimos.
Outra faceta ligada a questão racial é a que diz respeito às condições socioeconômicas no nosso país. No Brasil, pobreza tem classe e tem cor. Levantamentos do IBGE dão conta de que, os negros perfazem a maior parcela da população mais pobre. Outro dado desanimador demonstra que a população negra é a que mais sofre com a criminalidade, sendo os que mais morrem, vítimas de assassinatos. E aos mais incautos, que atribuem ao negro a culpa pelo seu próprio destino, vamos aos fatos.
A desigualdade de oportunidades já começa ser sentida no início da vida do indivíduo. Num país marcadamente reacionário como o nosso, as pessoas em certa medida, já nascem com papéis sociais predeterminados. Pois aqui, o prestígio atribuído (aquele que o sujeito herda), se sobrepõe ao prestígio adquirido pelo próprio esforço (a meritocracia). E nesse caso, a própria meritocracia é posta em cheque, uma vez que, indivíduos de diferentes classes sociais iniciam suas vidas em posições tão desiguais.
Essa situação mostra que ao longo do tempo, muitas vagas de emprego no serviço público e privado tornaram-se quase inacessíveis à comunidade negra. Como se sabe, aqueles que têm acesso a um ensino de melhor qualidade, automaticamente terão melhores desempenhos em concursos, entrevistas de emprego, vestibulares e congêneres.
Na intenção de amenizar uma dívida histórica, foram criadas as cotas raciais, tāo suspeitamente questionadas. É de se suspeitar ainda num certo compromisso tácito entre os legatários das classes favorecidas, que monopolizam informações e por isso acabam distribuindo as melhores oportunidades entre os seus. A herança escravagista, a falta de políticas afirmativas associadas, a blindagem das classes dominantes e ainda, o racismo dissimulado, reacionário e obscurantista largamente difundido, albergado até mesmo em instituições públicas, criou o cenário perfeito para um país etnicamente desigual.
E para quem costuma trocar a regra pela exceção, vale citar o que está evidente. Todos sabem que existem brancos pobres e negros ricos estes últimos em número exíguo. Um equívoco que também vale a pena ser evidenciado é o das pessoas que ao negar o problema citam personalidades negras como o exemplo a ser seguido. Então vai uma advertência: a maioria das pessoas não têm a genialidade do Pelé no futebol, a prodigiosidade do Joaquim Barbosa no campo do direito ou mesmo a habilidade do Barack Obama na política. São personalidades admiráveis, mas volto a insistir, não falo pelas exceções, falo pela maioria. A pessoa não precisa ser um gênio para ser respeitada e viver com dignidade.
O racismo é um mal que ao invés de ser negado, precisa ser combatido. Negar o problema, portanto, é semelhante ao enfermo que ao descobrir a doença, prefere fingir não está doente, que passar pelo doloroso tratamento.
“A Fundação Palmares, uma entidade pública brasileira, vinculada ao Ministério da Cultura, foi criada há 31 anos como resultado da luta do movimento negro. Seu objetivo é promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”. O seu atual presidente, o Sr. Sérgio Camargo, no entanto, considera absurda as cotas raciais, faz duras críticas ao dia da consciência negra, afirmou que a escravidão foi benéfica para os descendentes de escravos.
Está em jogo, portanto, os objetivos a que essa instituição se destina, diante de uma guerra cultural que hora se ensaia. O problema do racismo precisa ser encarado como algo muito grave, afinal 54% da população brasileira é negra e parda. Não obstante a todas as dificuldades, a população negra consome cerca de, dois trilhões de reais por ano. Essa quantia corresponde a 40% do consumo dos brasileiros. Não permitir que atos racistas prejudiquem a população negra, significa tornar possível que o nosso país se desenvolva e se fortaleça como nação, e que a raça humana evolua como civilização.
Edinaldo Moreira: professor da rede estadual de ensino em Matinha, licenciado em Geografia pela Universidade Estadual do Maranhão-UEMA. No Matraca, Edinaldo escreve a cada 15 dias.