Saneamento básico: o histórico de descasos que deixam vidas em perigo

Imagem ilustrativa. Foto: Susanne Jutzeler/Pixabay.

O enorme atraso com que o Brasil costuma agir diante de questões indispensáveis ao seu desenvolvimento, faz com que o saneamento básico se apresente como mais uma agenda do século XIX. Porém, devido ao recrudescimento de epidemias seculares, somadas a uma nova doença, a Covid-19, tornam o assunto inadiável, embora com ações ainda atravessando o campo das incertezas.

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Por conta das eleições municipais que hora se aproximam, esse tema precisa ser posto em discussão, o que pode forçar os partidos e candidatos a incluírem nos seus programas de governo, os meios pelos quais irão dar maior celeridade ao cumprimento de leis que estão na iminência de entrar em vigor.

Aqui apresento como exemplo o fim dos lixões, que embora com o prazo prorrogado, os municípios pequenos terão até 2024 para substituí-los por aterros sanitários. Como no imaginário de alguns políticos e de parte da sociedade passa a ideia de que obras subterrâneas, como galerias de esgoto, não costumam render eleitoralmente, justifica-se a ideia de que existe no Brasil um descaso deliberado sobre esse serviço.

Estudos mostram que para cada real investido em saneamento se economiza três reais com gastos em saúde. Os governos, entretanto, acabam por restringir a atenção quase unicamente, para o abastecimento de água que ainda assim é bastante deficitário.

Vale destacar que, além dos serviços já mencionados (água e esgoto), o saneamento básico compreende ainda, o manejo e disposição do resíduo sólido (lixo) e a drenagem de águas pluviais. Nas pequenas cidades e periferias de grandes centros é comum se observar as sarjetas drenando efluentes de pias e banheiros, contribuindo para os famigerados esgotos a céu aberto.

Diante do problema foi aprovado no dia 24 de junho de 2020 no Senado o novo marco regulatório do saneamento básico (PL 4.162/2019). Aqui tento demonstrar alguns pontos que serão mudados pelas novas regras e o porquê da matéria suscitar divergências.

“O texto prorroga o prazo para o fim dos lixões, facilita a privatização de estatais do setor e extingue o modelo atual de contrato entre municípios e empresas estaduais de água e esgoto. Pelas regras em vigor, as companhias precisam obedecer a critérios de prestação e tarifação, mas podem atuar sem concorrência. O novo marco transforma os contratos em vigor em concessões com a empresa privada que vier a assumir a estatal. O texto também torna obrigatória a abertura de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas”. Fonte: Senado Federal.

O objetivo da lei é desmontar o monopólio do Estado que atende a 94%, das cidades no setor e com isso atrair investimentos. Aqueles que defenderam o projeto, alegam que o assunto vem sendo largamente discutido. E que o novo marco, ao dar abertura para a entrada do capital privado, fará com que haja mais investimentos, o que poderá garantir que a população tenha esses serviços tão essenciais à vida.

De fato, um conjunto de providências precisam ser tomados, pois os brasileiros que ainda não dispõem de água tratada somam cerca de 35 milhões e metade das moradias do país não dispõem de coleta de esgoto. Por outro lado, não faltam argumentos para aqueles que criticam a nova proposta. E aqui vão alguns questionamentos:

Diferentemente do setor de telefonia em que há concorrência entre as diversas empresas e o consumidor tem opção de escolher, o saneamento é um serviço de “monopólio natural”, ou seja, somente um prestador, oferecendo aquele serviço ao cidadão consumidor que não têm alternativa para mudar de operadora.

Poderá haver, portanto, abuso na cobrança do preço das tarifas.
Fica também sob suspeição o interesse do setor privado em investir apenas nos grandes centros urbanos. “O saneamento reflete o problema da desigualdade da sociedade brasileira”, afirma Leo Helle, pesquisador da Fiocruz.

Quem não tem saneamento no Brasil são as populações das periferias das grandes cidades, zona rural e municípios pequenos. E justamente onde reside o problema, é que a população pode ficar desassistida. Pois embora o novo marco determine a quase universalização do serviço, sabe-se dos riscos das empresas prestadoras não cumprir todos os regulamentos.

Assim como no caso da energia elétrica que chegou em praticamente todas as casas (Programa Luz para Todos ) através de investimento do Estado, é de se crer que só mediante investimento público o saneamento chegará a quase todas as residências.

Na luta contra a pandemia do coronavírus fomos lembrados por algumas reportagens, de que parte dos nossos compatriotas estão impedidos de tomar a mais simples, porém, não menos eficaz medida de prevenção, que é a de lavar as mãos. Pois, muitos não têm água. Isto no país com a maior disponibilidade hídrica do mundo. Essa situação expõe mais uma vez a triste e revoltante contradição brasileira.


Edinaldo Moreira: professor da rede estadual de ensino em Matinha, licenciado em Geografia pela Universidade Estadual do Maranhão-UEMA. No Matraca, Edinaldo escreve a cada 15 dias.